Retrato de uma família do futuro

28/06/2016 16:01

Estamos no século ***. Na Lua, em uma colônia humana. Os humanos já haviam se espalhado por todo o sistema solar, e se instalado na Lua e em Marte após terraformá-los.

Os veículos prescindem de motorista. Para se deslocar, basta que o passageiro dite o nome da rua e o número do estabelecimento ao qual deseja ir, e o veículo, silencioso, o conduz até lá; e o passageiro, durante a viagem, não importa o quão longa seja, pode dormir, ler um livro, jogar xadrez com alguém que se encontra em outro planeta, distante milhares de quilômetros, ou com o cérebro do veículo, que é dotado de inteligência artificial. Na cidade lunar não há poluição sonora, nem visual, nem atmosférica, pois nenhuma máquina humana é poluidora.

Em uma residência de humanos vive uma família de quatro pessoas, o casal, Godofredo e Ursulina, e os dois filhos, Virgolino e Marcolina. Na casa há aparelhos sofisticadíssimos. Nesta época, os humanos vivem bem, com as exceções: uma minoria que insiste em não usufruir das comodidades que a civilização propicia.

Estão as nossas personagens na sala da residência número 348, da rua 32, da cidade 98.

Assistiam à televisão Godofredo e Marcolina.

- Querida, dê-me um comprimido de laranja - pediu Godofredo para a sua robô, que lhe entregou um comprimido de laranja concentrada, pondo-o sobre a extremidade de um filamento plástico segmentado e flexível, que, acionado pela mente de Godofredo, foi conduzido até a boca dele, um orifício que não tinha mais do que um centímetro de diâmetro. Logo depois, Marcolina pediu à robô um comprimido de sanduíche, e ela trouxe-lhe um, e o pôs sobre um filamento idêntico ao à disposição de Godofredo, e Marcolina o ingeriu, e, satisfeita, voltou a sua atenção para a tela de televisão.

Godofredo pesava quinhentos quilos, e era desprovido de dentes, desnecessários devido à dieta a base de comprimidos. Os humanos perderam os dentes porque não mastigavam os alimentos, ou deixaram de mastigar os alimentos porque haviam perdido os dentes? Eles desenvolveram a dieta à base de comprimidos porque haviam perdido os dentes e, portanto, não podiam mastigar os alimentos, ou perderam os dentes, e, portanto, pararam de mastigar os alimentos porque haviam desenvolvido a dieta à base de comprimidos? É desconhecida a resposta correta.

Godofredo é considerado um homem atraente, de beleza ímpar - muitos homens praticam tal dieta e comportamento equivalente ao de Godofredo para adquirem atrativos similares aos dele.

Todos os moradores daquela casa são volumosos, exceção feita a Ursulina, que havia se submetido à centenas de cirurgias plásticas – consideravam-la uma anomalia evolutiva. Ela possuía todos os dentes, os dois braços e as duas pernas, andava, e possuía todos os traços característicos dos humanos de gerações anteriores. Tinha um pouco mais de setenta quilos e um metro e setenta; era esbelta; em outras épocas, atribuir-lhe-iam o título de a Bela Suprema, a Deusa da Beleza, a Quintessência da Formosura, a Maior Maravilha do Mundo. Na sua época tem a função de fornecer leite; marginalizada, tratada como cidadã de segunda categoria, vivia à parte, apática.

- Querida Ursulina, por favor, dê-me leite - solicitou-lhe Godofredo.

Minutos depois, Ursulina entrou na sala, carregando, em uma bandeja à frente de si, seus dois peitos volumosos, cada um deles contendo dez litros de leite.

- Querido, que sabor você deseja? – perguntou Ursulina.

- Dois litros de leite de sabor de morango e três litros de leite de sabor de manga.

- Abra a boquinha – solicitou-lhe, carinhosa, Ursulina, ao mesmo tempo que selecionava os sabores de preferência de seu marido, removia o sutiã, e exibia os dois volumosos peitos. Ávido, Godofredo levou sua boquinha ao peito esquerdo de Ursulina, e sugou-o, e bebeu leite de sabor de manga. Apreciou-o voluptuosamente, lúbrico. Uma delícia, o leite. Em seguida, satisfeito, deglutidos os três litros de leite de sabor de manga, Ursulina removeu o bico de seu peito da boquinha de Godofredo, e a este ofereceu o bico do peito direito, cujo leite era o de sabor de morango. Godofredo deglutiu, avidamente, dois litros de leite de sabor de morango, apreciando-o a ponto de embriagar-se. Ursulina removeu o bico de seu peito da boquinha de seu marido, e perguntou à Marcolina se ela desejava um pouco de leite; ao ouvir a resposta negativa, cobriu os peitos com o sutiã, e, após limpar o leite que escorria da boquinha saciada de Godofredo, retirou-se da sala.

Durante as quarenta e oito horas seguintes, Godofredo e Marcolina assistiram à televisão, programa após programa. Acompanharam-los nesta atividade, Virgolino, que, por duas horas, permaneceu na sala. Os três, em silêncio ensurdecedor. Virgolino pesava quase quatrocentos quilos. Nesse entretempo, Ursulina renovou o estoque de leite nos peitos. E foi para o quarto, e dormiu durante dez horas.

Não muitos dias depois, Godofredo, Ursulina, Virgolino e Marcolina retiraram-se da casa, para passear. Um veículo automotor transportou Godofredo e Virgolino até à porta da casa, suficientemente larga para que pudessem transpô-la. Abordaram-los transeuntes, que adoravam Godofredo e Virgolino; as mulheres admiravam-lhes a beleza rotunda, e apalpavam-lhes as banhas, tão macias, e sobre eles sentavam-se. Divertiram-se. Ursulina não apreciou o assédio mulheril ao seu marido e ao seu filho; detestava vê-las assanhadas, oferecendo-lhes, umas, leite de sabor de chocolate, outras, leite de sabor de melão, outras, leite de sabor de melancia, outras, leite de sabor de framboesa. Havia uma, pela qual Ursulina nutria ódio visceral, que sempre oferecia para Godofredo leite de sabor de morango com banana. E Godofredo, a degustá-lo, ia aos píncaros da euforia. Inebriava-o o leite. Ele não resistia-lhe, e a mulher que lho fornecia sabia das preferências dele.

Horas depois, Virgolino, Godofredo, Marcolina e Ursulina regressaram à casa. No quarto, Ursulina ofereceu leite de sabor de limão a Godofredo. E ambos dormiram, ela, durante dez horas; ele, quarenta.

*

Aí está o retrato, revelador, da vida de nossos descendentes. Representa um aspecto da vida dos humanos do futuro. O futuro será como o descrito? Não sei. O conto é apenas um exercício de futurologia.

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