O sábio e o tolo
02/06/2016 16:38Na manhã de um dia ensolarado, naquela pequena cidade montanhosa, José e João retiraram-se cada um de sua casa, para uma caçada; a casa de José situava-se próxima da Igreja Nossa Senhora de Fátima, a de João, ao oeste da praça Santo Antônio.
José e João encontraram-se, minutos depois, na ponte sobre o rio Da Esperança, e saudaram-se. E seguiram, juntos, pela estrada de terra. E embrenharam-se, não muitos metros depois, na floresta. Esquadrinharam-la durante quatro horas, e nenhum animal puseram à mira dos rifles. Era como se todos os animais houvessem sentido a presença deles, e rumado, num êxodo, para outra região do continente.
Não muito tempo depois, José e João, esfomeados, vislumbraram uma árvore ramalhuda repleta de frutos vermelho-arroxeados, e veio-lhes à boca água. E arregalaram os olhos, sedentos, como que mesmerizados pelos frutos, saboreando-os antes mesmo de levá-los à boca.
- Que frutos bonitos – comentou José. – Belos, suculentos. De sumo saboroso, é certo. Vamos apanhar alguns frutos, João, para matar a nossa fome.
E João assentiu à sugestão.
E José e João deram os primeiros passos em direção à árvore. Detiveram-se, no meio do caminho, ao divisarem um homem de aparência grotesca vergando trajes amarfanhados, e de rosto coberto de espessos barba e bigode, a correr, desajeitadamente, em direção à árvore de frutos vermelho-arroxeados.
E o homem, sob os olhares de José e João, arrancou, com violência, um fruto da árvore, e deu-lhe uma dentada, arrancando-lhe um bom naco. E na fruta ele deu outra dentada. E outra dentada. E outra dentada. Enfim, ele consumiu todo o fruto. E para a árvore o homem estendeu o braço direito, e, mão direita espalmada, aproximou-a de outro fruto, e petrificou-se. E recolheu o braço, e levou as mãos ao pescoço. Estrebuchou. Intumesceram-se-lhe os vasos sanguíneos do pescoço. Ruborizou-se-lhe o rosto. Seus olhos esgazeados fitaram José e João, a suplicar-lhes ajuda. Diante de sua grotesca e repulsiva aparência, eles não se mexeram. Segundos depois, o homem expirou, seu corpo estatelado no chão.
- São venenosos os frutos – comentou José.
- São tão bonitos os frutos – comentou João. – Frutos tão bonitos não são venenosos.
- Bonitos, sim – disse José, calmo, voz pausada -, mas são venenosos.
- Vou comer um fruto – anunciou João.
- O quê!? – exclamou José, surpreso. – Aquele homem morreu ao comer um fruto.
- Não foi o fruto que o matou – retrucou João. – Uma cobra o matou. Frutos tão bonitos não são venenosos.
- Não vi nenhuma cobra perto daquele homem – disse José.
- Então ou uma aranha, ou um escorpião, ou outro animal peçonhento matou-o – comentou João. – Frutos tão bonitos não são venenosos. Vou comer um fruto.
E João andou na direção da árvore.
- Não seja tolo, João – censurou-o José. – Antes de comer um fruto, vamos verificar o corpo daquele homem, e procurar por sinal de mordida de algum animal peçonhento.
- Estou com muita fome, José.
- Eu também estou com fome. Tenhamos paciência...
- Não perderei meu tempo mexendo naquele cadáver – interrompeu-o João, rude, brusco. - Sei que os frutos não são venenosos. Frutos tão bonitos não são venenosos.
- Tenha um pouco de paciência.
João ignorou José, aproximou-se da árvore, e dela arrancou um fruto, e comeu-o, com voracidade. Minutos depois, sob olhares assustados de José, expirou, e estirou-se no chão.
José, a fome a avassalá-lo, rumou, a passos lentos, até a pequena cidade, aos moradores deu a notícia da morte de João e do desconhecido, a localização dos cadáveres deles, e alertou-os a respeito dos frutos vermelho-arroxeados, e rumou para a sua casa, para comer o pouco de pão e farinha que lhe restava na despensa.
Os moradores da pequena cidade deram um enterro digno a João e ao estranho sem nome.
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