Nadar contra a corrente nem sempre é prova de resistência

30/05/2016 15:56

- Internet? O que é internet? Remédio? – esnobava Amauri.

Amauri era um tipo, pode-se dizer, e sem exagero, retrógrado; hostilizava toda novidade. Foi com reação hostil que ele recebeu o videocassete, a televisão, o computador, o telefone celular, e todas as invenções modernas, para ele parafernálias inúteis.

- Para que precisamos de tudo isso? – interrogava Amauri os interlocutores que louvavam a civilização moderna, sua ciência e sua tecnologia. – Não precisamos dessas quinquilharias, dessas coisas inúteis! Telefone! Para que nos serve o telefone? Se eu quero falar com uma pessoa, vou à casa dela. E inventaram o telefone celular! E todo mundo carrega um telefone celular consigo. E as pessoas falam com pessoas que estão no outro lado do mundo! Ora, se eu quero falar com alguém, falo com quem está perto de mim, e não com quem está longe de mim. Por que eu conversaria com uma pessoa que está no Japão? Há muita gente nesta cidade, que tem cento e cinquenta mil habitantes. Coisas inúteis o telefone e o telefone celular. E a internet? Que monstruosidade! Para que tanta parafernália!? Computador, impressora, internet, tablet, videogame, smartfone. Qual é a utilidade de tudo isso? Os jovens vivem grudados nestas máquinas inúteis. Um dia as máquinas os absorverão a todos eles, dominarão a mente de todos eles, sugarão o cérebro de todos eles, se eles ainda tiverem algum. O que os garotos e as garotas, todos desocupados, fazem diante do computador? Perdem o tempo a tratar de bobagens. Tempo bom era o meu tempo de jovem. Naquele tempo, sim, vivíamos a vida. Agora, não se vive a vida. Os jovens não saem de casa, e não conhecem o mundo. O que ganhamos com toda as parafernálias que nos rodeiam? Doenças. E estamos destruindo a Terra, que, mais dia, menos dia, esgota-se, e sofreremos as consequências da nossa irresponsabilidade, da nossa imprevidência. Sofremos muito hoje; e sofreremos muito mais amanhã. E depois de amanhã? O fim do mundo.

O tempo passava, e Amauri ficava para trás. Não reconhecia ele o valor do progresso. Ele reagia, com hostilidade, às novas invenções. Se pudesse, voltaria no tempo, e viveria, nas florestas, como os silvícolas - seu ideal, não confessado, de vida. E os jovens, os pioneiros das mudanças de comportamento, os pioneiros no uso das novas tecnologias ele os amaldiçoava.

- Malditos jovens! – esbravejava Amauri. - Estão a estragar o nosso mundo. Estão a destruir a Terra.

Ai daqueles que o contestavam! Ai de quem lhe não admitisse as idéias.

- Os humanos – replicou Gilberto, certa vez -, somos mais inteligentes e espertos do que muita gente quer nos convencer que somos. Não somos insensatos e irresponsáveis. Não destruiremos o mundo, nem com bombas atômicas. Não provocaremos uma catástrofe mundial. Apesar de toda prova em contrário, não somos suicidas. As máquinas contribuem, se corretamente utilizadas, para a melhoria do nosso padrão de vida. Nas fábricas, a automação e a robotização livram-nos de trabalhos desgastantes. A internet permite-nos cumprir as nossas tarefas com mais rapidez, e ganhamos tempo livre para nos dedicarmos à arte, ao estudo, ao lazer. Podemos conhecer, em tempo real, o que se passa no outro lado do mundo. A internet aproxima as pessoas, derruba as barreiras entre os povos, concede-nos liberdade. Nem países comunistas, a China, por exemplo, podem vencer a internet, a mais revolucionária das tecnologias. As máquinas podem salvar-nos do desastre. Depende de como as empregamos. Poderemos, com o auxílio de robôs, acabar com a fome e impedir catástrofes naturais.

Amauri, enfurecido, retrucou. Impôs-se Gilberto, homem de personalidade forte. Amauri calou-se, e desde então tratou Gilberto como um desafeto.

Sempre a nadar contra a corrente, Amauri vivia a sua vida. Recusava os avanços da tecnologia. Não usava telefone celular. No bar do qual era o proprietário o aparelho mais moderno era uma televisão de vinte anos de uso. E os refrigeradores ele não os renovava.

- Compre refrigeradores modernos, que consomem menos energia – aconselharam-no.

O conselho Amauri o repudiou com virulência. Amauri não admitia elogios às máquinas modernas; quando alguém as comparava com as antigas, ele não admitia que lhe dissessem que as modernas eram melhores.

Para Amauri, as relações familiares degeneravam-se, corrompiam-se, devido à disseminação das máquinas, que desumanizava as pessoas. E as máquinas, segundo Amauri, corroía a política, que se precipitava na podridão, na corrupção. Em sua época, dizia Amauri, grassava a boa gerência dos recursos públicos, e entre os políticos disseminava-se os mais preciosos valores éticos e morais.

Quanto mais rápido se dava o avanço tecnológico, mais Amauri esnobava as virtudes do progresso. Muitas sugestões para atrair clientes os seus amigos apresentaram-lhe para aumentar-lhe a clientela. Que Amauri comprasse um notebook para arquivar informações sobre as finanças do bar. Que Amauri reservasse no bar um espaço para computadores com acesso à internet e os alugasse, para os clientes, e estipulasse, como as lan-houses, um preço pelo uso, por hora. Que Amauri comprasse televisão e um videogame. Ele recusou, terminantemente, todas as sugestões.

- Inutilidades! – replicava Amauri, alterado. - Futilidades. Coisas de jovens desocupados. Internet? O que é internet? Remédio? Marca de roupa? Ou de pasta de dentes? Videogame! O que é videogame? Doença?

Certo dia, a menos de cem metros de distância do bar de Amauri, Vitor, moço de vinte anos, inaugurou um bar de cem metros quadrados, com seis computadores, todos com acesso à internet. Jovens, adultos e crianças afluíram ao bar.

E o bar de Amauri ficou às moscas.

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